Com artistas de diferentes gerações, a imagem ilustra o tema dos conflitos que tem as diferenças de idade como principal causa

FALHA #30: A DESCONSTRUÇÃO DO CONFLITO DE GERAÇÕES

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“A história nunca se repete: o homem, sim.” Voltaire

Já pensou se o confronto de gerações for apenas uma falha de comunicação?

Não é de hoje que o ser humano tem mania de achar que os mais novos são isso ou aquilo e que os mais velhos estão ultrapassados.

Quando meus pais eram jovens, garotos e garotas que amavam os Beatles e os Rolling Stones já eram criticados pelos cabelos, pelas roupas e pelo comportamento. Com o passar dos anos, eles é que passaram a julgar outros jovens.

Você também já ouviu a corneta do repúdio soar só por fazer coisas que um monte de gente da mesma idade faz. Os motivos mudam, mas o hábito de rotular passa de pai para filho.

Pergunte a um representante de qualquer geração. Todos nós já ouvimos o clássico “no meu tempo é que era bom” ou “no meu tempo não era assim”. O que, geralmente, é mentira.

Alerta de verdade: A A nostalgia cria ilusões de um passado idealizado

Também não nasceu hoje o costume de colocar na conta da geração a justificativa para comportamentos e formas de pensar muitas vezes reprováveis, que dizem mais sobre um indivíduo do que sobre uma população inteira com a mesma idade.

Quem nunca ouviu aquele tio do pavê que fala um monte de groselha (e se acha engraçado), afirmar que sua mente é retrógrada porque ele é de “outra geração”.

Que outra geração?

Se o tio é Baby Boomer, ele pertence a um grupo que projetou um outro mundo durante o maio de 1968, criou o movimento hippie, participou da luta pelos Direitos Civis nos Estados Unidos e combateu Ditaduras no Brasil e na América Latina.

Se ele é da geração X, faz parte da galera que inventou o grunge, o punk, o heavy metal. Foi com esse pessoal que o movimento ambientalista e a luta pelos direitos LGBTQIA+ começou.

A conversa de gerações é o argumento que se tem a mão para justificar qualquer coisa.

Quando se trata de trabalho, a tradição é criar rótulos para quem acaba de entrar no mercado. Assim como a geração Z é tachada como a que não tem comprometimento, quando comecei os Millenials eram percebidos como preguiçosos.

No entanto, cada distinta geração busca o mesmo que a minha e a sua: família, paz e um trabalho para viver melhor.

Esse é o pilar do texto da VOCÊ RH que fala como, pelo escrutínio da ciência, o enorme abismo geracional é uma farsa:

“Todos almejam qualidade de vida acima de tudo, um bom relacionamento com a família e segurança financeira, e só depois o sucesso profissional. Comida, diversão, arte e carreira”.

O que acontece é que, em vez de um gestor canalizar a energia para compreender e aceitar as pequenas diferenças e se comunicar melhor com as pessoas de outras idades, é mais fácil se eximir de responsabilidade e enfiar um grupo gigantesco em caixinhas só porque eles possuem uma certidão de nascimento mais ou menos nas mesmas datas.

“Tentando entender se essas distinções geracionais são fato ou não, pesquisadores da George Washington University, nos Estados Unidos, realizaram uma meta-análise (compilando os resultados de uma pá de pesquisas) composto de 19 mil respostas. Eles descobriram diferenças mínimas entre as gerações em relação à atitude de trabalho (leia-se, satisfação profissional, comprometimento com a empresa, intenção de rotatividade e por aí vai)”

UMA VERDADE INCONVENIENTE?

Se tem uma verdade que atrapalha a entrada da geração Z no mercado de trabalho é o isolamento provocado pela pandemia de Covid-19 que, embora tenha consequências para todos, pegou os mais jovens em uma fase de transição da formação para a atividade profissional, o que prejudicou o contato humano e o desenvolvimento de habilidades de comunicação e resolução de problemas.

Mas como parece que todos passamos a fingir que esse longo período não existiu e que suas consequências não estão mais presente, fica mais fácil dizer que uma população inteira não tem tais habilidades do que pensar em mecanismos e processos para o aprendizado.


1. VERDADEIRO OU FALSO?

(resposta no fim da News)

A Geração Z tem contribuído para o aumento da venda dos discos de vinil.


2. VERDADEIRO OU FALSO?

A Geração X é indiferente às questões sociais e políticas.


3. VERDADEIRO OU FALSO?

Até um gênio como Michelangelo precisou das gerações mais novas para terminar suas obras.


“O fim está próximo! Obrigado por isso”. Mais velhos deixaram um mundo caindo aos pedaços e ainda reclamam dos que chegaram agora.

ENTÃO É TODO MUNDO IGUAL?

Nem tanto.

Cada distinta geração busca o mesmo que a minha e a sua: família, paz e um trabalho para viver melhor.

O que muda entre uma e outra é o que se considera família e como se constrói uma, o que é e como se tem paz, ou ainda, o que, de fato, significa trabalhar para viver melhor (o “propósito” no mundo corporativo).

Essas nuances na forma de entender o mundo, sim, geram tensões.

De um lado, os mais jovens percebem que certas coisas que seus pais fizeram não fazem sentido. Do outro, os mais experientes defendem que o tempo já provou o sucesso de seu estilo de vida.

Quem já deu mais cabeçada na vida ainda costuma temer que as mudanças instigadas pelos jovens sejam perigosas ou, nos casos mais egoístas, que podem atrapalhar certos privilégios.

Alerta de verdade (?) Despidos de vieses, talvez a gente veja que jovens de qualquer época possuem a arrogância de achar que sabem de tudo, o que me lembra Nelson Rodrigues – referência que não é da minha geração – quando escreveu: jovens, envelheçam! Mas eles possuem uma saudável arrogância porque ao não medir consequências, mudam o mundo. Ao mesmo tempo, enquanto quebram a cara, aprendem que sabem bem menos do que achavam. Esse processo acontece com toda geração. Chama-se envelhecer.

O que a diferença dos anos gera são novos comportamentos e formas de pensar.

Há novidades em cada geração que são bem-vindas. Algumas não fazem a menor diferença e outras podem ser perigosas.

O QUE NÃO FAZ DIFERENÇA

Por mais que tente a empatia, tenho repulsa pela ideia de ouvir música ou podcasts na velocidade 2x (pois é, jovens fazem isso).

Também me irrita a mania de achar que o melhor jogador de futebol, de basquete, a melhor música, ou tudo que é o melhor de todos os tempos é sempre o atual.

Como quem vive de passado e acha que as coisas só eram boas “naquele tempo”, é chatíssimo quem despreza o passado. Mas a ignorância pode ser remediável.

Porque não dá para passar a vida achando que Bruno Mars existiria sem Prince ou Michael Jackson.

Mas vamos combinar. Não é nada, não é nada. Não é nada mesmo.

NOVIDADES QUE PREOCUPAM

Para especialistas de diversas áreas do conhecimento, as novas tecnologias assustam.

As redes sociais geram um perigoso isolamento, tema da Falha de Comunicação #29:

Tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tornou a solidão uma prioridade de saúde global.

Uma pesquisa realizada pela consultoria Ipsos em 2020, em que a empresa escolheu aleatoriamente cinco países latino-americanos nos quais entrevistou mais de 15 mil pessoas, revelou que, no Brasil, 36% dos entrevistados disseram se sentir sozinhos.

Ao que tudo indica, o uso excessivo da tecnologia ainda traz m impactos nefastos que vão da socialização à inteligência:

“De acordo com o neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, essa é a primeira vez que o QI dos filhos está se tornando inferior ao dos pais. Mesmo em países em que indicadores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição são estáveis, a geração digital tem formado pessoas menos inteligentes (para ser sutil).”

Há ainda o dilema da criatividade e a inteligência artificial?

Há quem diga que os robôs podem melhorar a criatividade, mas não se descarta que eles também podem criar dependência e aniquilar nossa capacidade de imaginar.

Mais uma vez, parece que o resultado não estará nas mãos da tecnologia, mas de quem as usa.

É bom lembrar que a Geração Z é composta por “nativos digitais”, mas os efeitos maléficos são amplamente vistos em qualquer idade – como confirma seu tio (outra vez ele) mandando fake news toda semana.

Mas adivinha quem haverá de descascar o abacaxi da desinformação?

Para Bill Gates é ela mesma: a geração Z:

“A desinformação é aquela em que eu, um pouco, tive que dizer, ‘ok, entregamos esse problema à geração mais jovem’”.

Ou seja, os mais velhos não só criticam sistematicamente a nova geração como também colocam em suas costas a solução de problemas que eles começaram e/ou não resolveram.

MUDANÇAS BEM-VINDAS

As ferramentas digitais, como qualquer tecnologia criada pela humanidade, entra na lista de transformações promissoras e potenciais desastres.

Então, claro que a mentalidade de utilizar o digital para facilitar nossa rotina, inovar e aumentar a eficiência do trabalho é um ponto positivo das novas gerações.

Agora, a preocupação com o clima é a principal delas. Até porque se uma reviravolta drástica não acontecer, nossa existência como conhecemos neste planeta, estará nos últimos capítulos.


MILLENIALS SÃO OS MAIS POBRES

Às vezes também escorrego no papo “no meu tempo que era bom”.

Tenho orgulho de ter vivido a transição do físico para o digital e cultivo a ilusão de que consigo aproveitar o melhor de cada mundo.

Ao mesmo tempo que aproveito os benefícios da vida online, alimento paralelamente um ranço contra o smartphone e as redes sociais que, acredito, me protegem (um pouco) do vício e de uma vida vazia dedicada a alimentar algoritmos.

Embora possua uma pequena coleção de discos, gosto da praticidade da música digital. Assim como o fato de ter um Kindle jamais me fez largar o livro de papel.

Mas nem tudo é festa como era em Paris antes das quatro gerações trabalharem juntas.

De acordo com uma pesquisa da seguradora Allianz, millenials são a geração mais pobre entre as quatro (disso não posso discordar).

“A geração millennial tem sido a “maior perdedora” na corrida pela riqueza, em consequência das crises consecutivas (crise financeira de 2008, pandemia de covid e período de inflação ‘realmente dolorosa”), revela o Relatório de Riqueza Global 2024 da empresa.”

Do outro lado, o relatório mostra que ninguém ganhou como os boomers.

“Uma situação histórica única — forte crescimento econômico, mercados imobiliários acessíveis e mercados acionários em expansão — permitiu que (os boomers) acumulassem uma bela fortuna”

A geração X conseguiu poupar menos que a sua anterior, mas muito mais do que os Millenials e a estimativa é que o pessoal da geração Z supere a todos, exceto os boomers:

“Os americanos da Geração Z nascidos em 2004 podem esperar que suas economias totais cheguem a 766% de sua renda disponível em 2063, superando tanto a Geração X quanto a geração millennial.”

Como profissional de comunicação, em vez de dizer que sou da geração mais pobre, vou anunciar que faço parte dos maiores especialistas em crise.

Feito o desabafo, o que realmente podemos tirar desse papo de riqueza, é que cada geração vive um contexto específico que influencia valores e a maneira de perseguir a felicidade.

Isso deve ser conversado e melhor aproveitado. Não virar motivo para guerrinha.


A ZOEIRA PREVALECE, MAS SEM PRECONCEITO

Toda época tem do que se envergonhar, mas a “geração mullets” venceu.

Na busca pela aceitação em um grupo social, surge a síndrome das pequenas diferenças. É uma forma de criar identificação que, muitas vezes, acaba em preconceito e segregação.

Certos comportamentos apenas demarcam uma maneira de pensar e agir e está tudo bem. Pode estar na forma de usar meias (longas ou curtas) ou na linguagem (lembra do “cringe“?).

Em um ambiente de trabalho, as brincadeiras e provocações são inevitáveis. E muitas vezes são desencadeadas pela diferença de idade.

Aprendi muito sobre cultura pop, tecnologia, gírias e lugares descolados com a molecada.

O problema é que na história da humanidade a necessidade de fazer ou não parte de um grupo social, muitas vezes se manifesta de forma agressiva e equivocada.

Lembrem-se de que há mais de dois mil anos os romanos odiaram uma nova geração que começou a falar de um único Deus e eliminaram violentamente seu líder.

Hoje, expressões como “coisa de velho” ou “geração Nutella” acendem o sinal amarelo.

O preconceito com os mais velhos tem sido mais debatido. É chamado de etarismo, ageísmo e outras palavras ruins, mas que na falta de coisa melhor alertam para um problema real.

O alarme parece funcionar. Nunca houve tantos profissionais contratados com mais de 60 anos empregados.

O ESTADÃO publicou dados reveladores do com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.

“No segundo trimestre deste ano, eram 8,042 milhões de pessoas desse grupo (60+) ocupadas – um contingente equivalente a toda a população do Estado do Pará (…) Quando esse tipo de levantamento começou a ser realizado, no primeiro trimestre de 2012, o número de brasileiros trabalhando nessa faixa etária era de 4,934 milhões. Ou seja, quase metade do que é hoje”

Entretanto, é importante destacar que, deste contingente, 53,5% dos trabalhadores estão na informalidade para complementar renda.

Aliás, outra coisa que não muda com o passar das gerações no Brasil é a desigualdade social.

Por isso, vamos seguir no combate ao preconceito contra os mais velhos. Principalmente aqueles que tiveram menos chances ao longo de suas jornadas.

Mas há também uma percepção distorcida dos jovens. É como se, antes mesmo de fazer uma entrevista, todos já recebessem o carimbo de profissionais lenientes e sem comprometimento.

É verdade que gerações anteriores ficavam mais tempo no mesmo emprego e isso mudou com a turma Z. Vem daí muito da ideia da da falta de comprometimento.

A tendência de saltar de um trabalho para outro ganhou a expressão em inglês “job hopping”.

Mas será que essa maior fluidez nos postos de trabalho não é mais uma adaptação a um contexto de rápidas mudanças do mundo do que desinteresse pela carreira?

Ou quem sabe uma tolerância menor para ambientes tóxicos ou empregos que não trazem satisfação pessoal?

Em vez de olharmos pelo aspecto pejorativo, que tal refletir um pouco?

Também é fato que a Geração Z demora mais para chegar aos cargos de chefia.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo:

“Em 2008, os jovens da geração millennial ocupavam 7,67% dos cargos de dirigentes no mercado de trabalho formal. Agora, com a geração Z, esse percentual caiu pela metade: 3,89% em 2022.”

Mas quem lê só o título da matéria “Geração Z demora mais para conquistar cargos de chefia nas empresas”, não vai chegar na parte que diz “O envelhecimento da força de trabalho ajuda a explicar a demora para que os mais jovens ocupem cargos de comando nas empresas.”

Em outras palavras: aumentou a população mais velha que permanece nos cargos de chefia e isso abre menos espaço para os jovens. Parece mais um movimento natural do que uma vontade da Geração Z de não crescer na carreira.

O que não exclui o ímpeto menor da geração Z por certos cargos de chefia. Afinal, eles viram e sentiram na pele o resultado de mães e pais que viveram – alguns morreram! – pelo trabalho. Então, evitam a subida na carreira a qualquer custo e valorizam mais a qualidade de vida.

Pode ser que aquilo que muitos veem como preguiça seja só evolução da espécie.

O que talvez frustre a maioria dos chefes é que a nova geração não aceita as condições que eles engoliram anos atrás porque, ora, eles são jovens. E jovens costumam questionar.

Começar uma análise por uma premissa torta, nos leva a uma conclusão distorcida.

Se julgamos todas decisões e comportamentos com base em estereótipos, as pequenas diferenças se tornam enormes ruídos de comunicação e a convivência fica muito mais difícil.

A partir dos próximos anos, os primeiros exemplares da geração alfa (nascidos a partir de 2010) começarão a entrar no mercado de trabalho e, pode apostar, terão que aprender a lidar com o mesmo desafio: o eterno papo furado das gerações.


RESPOSTAS

  1. VERDAEIRA: Pois é. Os mais jovens vivem uma retomada dos meios físicos e os dados sobre o crescimento de vinis podem ser conferidos aqui.
  2. FALSA: Apesar de certas discussões terem ganhado mais relevância nos últimos tempos, foi a geração X que plantou a semente de movimentos ambientais, pelos direitos LGBTQIA+ e pela igualdade de gênero. Confira a linha do tempo do movimento LGBT+.
  3. VERDADEIRA: Até o artista conhecido como “O Divino” precisou da colaboração dos mais jovens, como conta uma exposição em Londres sobre as suas últimas décadas (ele viveu até os 88 anos): “Michelangelo sempre preferiu trabalhar sozinho, mas agora, enquanto lutava contra os desafios físicos da velhice, teve que aprender a se adaptar.”

Sou Rodrigo Focaccio, consultor de comunicação e Top Voice LinkedIn em 2019.

Trabalho com treinamentos corporativos, estratégia e produção de conteúdo no LinkedIn para a comunicação de empresas e executivos.

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